Pagamento preferencial: entenda os regimes de pagamento de precatórios e os créditos preferenciais e super preferenciais

Pagamento preferencial: entenda os regimes de pagamento de precatórios e os créditos preferenciais e super preferenciais

Gabriel Trigueiros, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), pós-graduando em Direito Ambiental pela 
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e MBA em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Os particulares cumprem suas obrigações judiciais de pagar quantia certa por simples pagamento, mediante depósito em juízo. Por outro lado, a Fazenda Pública, seja ela em nível municipal, estadual ou federal, quando devedora na justiça, terá o débito requisitado para pagamento por meio de requisição de pequeno valor (RPV) ou de ofício requisitório de precatório (precatório).

O que determina a espécie de ofício requisitório (RPV ou precatório) é saber se a obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública é uma obrigação de pequeno valor (OPV) ou não. É no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que estão determinados os limites das OPV´s para Estados e Municípios:

Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:

I – quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;

II – trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.

Para a União, o limite da OPV segue o estabelecido na Lei nº. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal:

Art. 3º. Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Logo, os limites das OPV´s para Municípios, Estados e União são, respectivamente, 30 (trinta), 40 (quarenta) e 60 (sessenta) salários mínimos. Dessa forma, estando o débito da Fazenda Pública abaixo do limite da OPV, a quantia será requisitada por RPV. Estando o débito acima, a quantia será requisitada por precatório.

Os limites acima descritos poderão ser modificados caso o ente público venha editar lei que defina outro limite de acordo com sua capacidade econômica, sempre respeitando um teto mínimo para definição da OPV, que não poderá ser inferior que o maior benefício do regime geral da previdência social (CF, art. 100, § 4º).

Nesse sentido, vale ressaltar que o maior benefício do regime geral da previdência social é de R$ 6.433,57 (seis mil quatrocentos e trinta e três reais e cinquenta e sete centavos) para 2021 (Portaria nº. 477/2021 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, art. 2º). Por isso, em qualquer localidade do país, o valor mínimo da OPV neste ano não poderá ser estabelecido em valor menor do que o descrito.

A bipartição das formas de requisição de valores (RPV ou precatório) tem origem na dificuldade dos entes federativos (Fazendas Públicas) adimplirem suas obrigações e representa a organização e planejamento visando quitá-las. De acordo com o Código de Processo Civil, as OPV’s, requisitadas por meio de RPV, concedem para a Fazenda Pública devedora prazo de 2 (dois) meses para pagamento, ou seja, trata-se de um meio mais célere para recebimento:

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

§3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada:

I – expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição Federal;

II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

Significa que em 2 (dois) meses o dinheiro estará disponível em juízo para levantamento e, na sequencia, para recebimento do dinheiro pela parte vencedora.

Não se caracterizando como OPV, o débito será pago mediante precatório nos termos da CF, que estabele que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, em 25 de março de 2015, se encontravam em mora no pagamento de seus precatórios quitarão, até 31 de dezembro de 2029 seus débitos vencidos e os que vencerão dentro desse período” (ADCT, art. 101), conforme redação alterada pela Emenda Constitucional (EC) nº. 109/2021. Isto é, o débito fazendário entrará em extensa fila. Como consequência, o recebimento pela parte vencedora poderá demorar anos até que os créditos inscritos em ordem cronológica nesta fila sejam efetivamente pagos.

Diante deste vasto prazo estabelecido para o pagamento de precatórios (até o final de 2029), os institutos dos pagamentos preferencial, super preferencial e para maiores de 80 (oitenta) anos ganham relevância.

A qualidade de crédito preferencial decorre da natureza alimentar do crédito.

A qualidade de crédito super preferencial decorre do fato do credor possuir mais de 60 anos de idade ou ser portador de doença grave ou portador de deficiência, cujo limite para pagamento é a quantia igual ao triplo da OPV  definida por lei para regime geral de pagamento de precatórios e o quíntuplo, para regime especial de pagamento de precatórios.

A Resolução nº. 303/2019 do CNJ regulamenta o tema:

Art. 2º. Para os fins desta Resolução:

II– crédito preferencial é o crédito de natureza alimentar, previsto no 100, § 1o, da Constituição Federal;

III– crédito superpreferencial é a parcela que integra o crédito de natureza alimentar, passível de fracionamento e adiantamento nos termos do art. 100, § 2o, da Constituição Federal, e art. 102, § 2o, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT;

Na Constituição Federal:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.

§2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

Como visto, a depender do regime de pagamento de precatórios que o ente público estiver inscrito (geral ou especial), o valor da parcela preferencial ou super preferencial pode variar sendo o triplo ou quíntuplo da OPV. Nesse sentido, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê:

Art. 102. Enquanto viger o regime especial previsto nesta Emenda Constitucional, pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos recursos que, nos termos do art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, forem destinados ao pagamento dos precatórios em mora serão utilizados no pagamento segundo a ordem cronológica de apresentação, respeitadas as preferências dos créditos alimentares, e, nessas, as relativas à idade, ao estado de saúde e à deficiência, nos termos do § 2º do art. 100 da Constituição Federal, sobre todos os demais créditos de todos os anos.

§2º Na vigência do regime especial previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as preferências relativas à idade, ao estado de saúde e à deficiência serão atendidas até o valor equivalente ao quíntuplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º do art. 100 da Constituição Federal, admitido o fracionamento para essa finalidade, e o restante será pago em ordem cronológica de apresentação do precatório.

Com efeito, acaso o credor seja detentor de crédito com preferência, este crédito será pago com preferência sobre todos os outros, caminhando automaticamente para o primeiro lugar na fila de créditos inscritos em precatório.

É importante deixar claro o valor pago com preferência está limitado ao triplo da OPV para o regime geral de pagamento de precatórios e ao quíntuplo, para o regime especial. Se o valor total do crédito for maior que estes limites estabelecidos, aquela parte do crédito que sobejar os limites permanecerá na fila para pagamento de precatórios em ordem cronológica.

Exemplo: o credor detém um crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em face do Município X. Pelo valor do crédito, ele será pago mediante precatório, uma vez que excede os limites da OPV estabelecido no ADCT. Pode ser ainda que o Município X tenha editado uma lei que estabeleça o teto da OPV como o valor igual ao maior benefício do regime geral da previdência social, ou seja, as OPV´s para este Município são aquelas que se encaixam no teto de R$ 6.433,57 (seis mil quatrocentos e trinta e três reais e cinquenta e sete centavos) no ano de 2021. Assim, tendo em vista o valor do crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e o novo teto de OPV do Município X, o crédito permanecerá sendo pago por precatório, visto que continua a exceder os limites da OPV, agora estabelecido em lei municipal. Além de possuir o crédito, o credor se encaixa em uma das condições da lei que lhe concedem preferência. Sendo assim, se o regime de pagamento de precatórios do Município X for o geral, este credor terá seu crédito pago em primeiro lugar na fila de precatórios na quantia equivalente ao triplo da OPV: R$ 19.300,71 (dezenove mil, trezentos reais e setenta e um centavos). Acaso o Município X esteja inscrito no regime especial de pagamento de precatórios, o valor da parcela preferencial a ser paga em primeiro lugar na fila de precatórios é de R$ 32.167,85 (trinta e dois mil cento e sessenta e sete reais e oitenta e cinco centavos). O que exceder estes limites, em qualquer dos regimes de pagamento de precatórios, aguardará a fila para pagamento de precatórios em ordem cronológica. Assim, o credor só receberá aquilo que excedeu o triplo ou quíntuplo da OPV do Município X, ou seja, a integralidade do seu crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais), deduzida a parcela preferencial já recebida, somente quando chegar a sua vez na fila para pagamentos de precatórios em ordem cronológica. Se o crédito deste credor fosse inferior ao triplo ou quíntuplo da OPV no Município X, a depender do regime que o Município X está inscrito, ele receberia a integralidade do seu crédito por meio do pagamento preferencial.

Por fim, o pagamento para maiores de 80 (oitenta) anos tem precedência sobre os super preferenciais e o crédito deve ser obrigatoriamente alimentar, conforme o  Estatuto do Idoso:

Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§2º Dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos.

Cabe, ainda, ressaltar que o pagamento para maiores de 80 (oitenta) anos precede o pagamento super preferencial fundamentado na idade, mas não aquele fundamentado na doença grave ou deficiência.

Em resumo, os débitos da Fazenda Pública podem ser requisitados por:

  1. RPV, se o crédito constituir obrigação de pequeno valor; ou
  2. Precatório, se o crédito exceder a obrigação de pequeno valor.

O pagamento de precatórios pode se dar no regime:

  1. Geral; ou
  2. Especial.

Quanto à ordem de preferência, é a seguinte para precatórios inscritos no regime especial:

  1. Super preferenciais, sendo que os pagamentos para maiores de 80 precedem os pagamentos para maiores de 60, mas respeitam a ordem daqueles inscritos com base em doença grave ou deficiência;
  2. Preferenciais (alimentares); e
  3. Comuns pela ordem cronológica de inscrição.

Se precatório inscrito no regime geral, o pagamento preferencial no limite de 3 (três) vezes a OPV observará o procedimento de pagamento por RPV (Resolução nº. 303 do CNJ, art. 9º, caput, §§ 3º, 4º e 7º).

No tocante ao múltiplo para fins de quantificação do pagamento preferencial:

  1. Se afeto ao regime geral, será o triplo da obrigação de pequeno valor; e
  2. Se afeto ao regime especial, será o quíntuplo da obrigação de pequeno valor.

 


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

BRASIL. Ato das Diposições Constitucionais Transitórias, de 5 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

BRASIL. Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001.Brsília, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

BRASIL. Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 21 set. 2021.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº. 303, de 18 de dezembro de 2019. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3130. Acesso em: 21 set. 2021.

MINISTÉRIO DA ECONOMIA; SECRETARIA ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO. Portaria nº. 477, de 12 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-seprt/me-n-477-de-12-de-janeiro-de-2021-298858991. Acesso em: 21 set. 2021.

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